Passei o dia um bocado em baixo. Uma daquelas crises de identidade que acontecem às vezes. Por isso preparem-se, isto vai ser longo...
Por onde começar. Acho que passei a minha vida inteira a fazer aquilo que era esperado de mim sem pensar duas vezes. Queria estudar e tirar um curso mas não aquele que acabei por fazer. Na altura estava interessada em fotografia e fui convencida que o curso de design é que era. Na verdade isso não era totalmente falso porque este país é tão atrasado que cursos superiores de fotografia era coisa que não existia e nem sei se já existem.
Mas pronto. convenci-me que podia fazer fotografia nas horas vagas e talvez daqui a uns anos, depois de ter suficiente material possa fazer uma exposição ou qualquer coisa nesses termos.
Depois apercebi-me que passei os cinco anos do curso sem ter noção do que é realmente o design. Só recentemente é que me apercebi das possibilidades e do gozo que dá jogar com os alfabetos, as cores, as composições. Mas, mesmo aí tenho limitações. Não consigo trabalhar para outras pessoas. Ou seja, o resultado não é bem o mesmo. Voltam todas as inseguranças quando sei que há alguém a avaliar aquilo que eu faço.
Aliás, este sempre foi o meu problema. Tive um pai demasiado dominador que passou a minha vida inteira a dizer-me o que é que eu estava errado comigo e com tudo o que eu fazia. Já com oito ou nove anos, a minha primeira tentativa de fazer banda desenhada foi destruida por ter demasiadas semelhanças com os estrumfes - semelhanças essas propositadas porque aquilo que me interessava era começar a desenhar a personagem e não fazer a história. Não fui nunca ensinada a ter confiança naquilo que fazia mas a tentar ver o que tinha feito mal. Só recentemente e por ter conseguido perder algum tempo a fazer as coisas que gosto é que comecei a achar que provavelmente tenho algumas qualidades positivas e produtivas.
Em relação ao emprego, eu nunca quis dar aulas. Foi uma solução rápida e eficaz porque permitiu-me começar logo a trabalhar, ter algum tempo livre e a possibilidade de um emprego estável a médio prazo. E depois de começar descobri que até gosto de ensinar e que tenho uma certa queda para aquilo. No entanto, depois de ter dado aulas a alunos do 12º ano que realmente se esforçam e tentam participar nas aulas, e começar a ensinar no ar.co, com alunos igualmente interessados, voltar a ter miúdos pequenos é um esforço sobre-humano. Especialmente seguido de aulas noturnas quando uma pessoa já está completamente gasta.
Como esta é uma situação que se pode vir a repetir durante muitos anos eu tenho de repensar sériamente as minhas opções. Infelizmente, aquilo que eu gostaria realmente de fazer - tirar um curso de música, um curso a sério, não é ter duas horas de aulas por semana sem nada no fim - está totalmente fora de questão. Preciso de trabalhar e neste emprego não tenho nem o tempo nem o financiamento suficiente. Além disso sou demasiado velha para a maioria das escolas de música.
Sendo assim o que é que sobra? Nos meus dias mais pessimistas vejo-me a fazer exactamente a mesma coisa daqui a 25 anos e a ser completamente infeliz. Nos meus dias mais optimistas, acho que vou gravar as minhas músicas, fazer um CD e vende-lo pela internet.
No meio, algures, está uma opção real. Será montar uma loja de lãs para poder passar os dias a fazer camisolas e tapetes de arraiolos? Não sei. Só sei que não é nada demasiado óbvio porque senão já tinha dado por isso.
Mas eu também não me tornei naquilo que sou hoje de um dia para o outro. Comecei aos 17 anos e só fiquei mais ou menos satisfeita com os resultados há uns meses. Pelo menos em termos de aspecto (sem recorrer a cirurgia, entenda-se). Também não estou inteiramente insatisfeita com a minha personalidade. Tenho feito um grande esforço por manter a calma e ser mais compreensiva. Acho que não está mal. Agora só falta a minha situação financeira.
Acho que alguém muito rico devia fazer um testamento a meu favor para eu não ter que trabalhar mais e poder passar o resto dos meus dias a fazer de conta que toco piano. Até esse dia, vou-me safando como posso. Não se pode ter tudo na vida e eu tenho de admitir que já tenho muitas daquelas coisas que sempre considerei importantes.
Estive a ver um documentário sobre a situação das mulheres na sociedade durante este século. Aa alterações são fantásticas e no entanto algumas coisas mantém-se exactamente na mesma. As mulheres continuam a ser assobiadas na rua e continuam a ter medo de andar sozinhas, especialmente de noite. Continua a existir a ideia de que as mulheres, quando casadas, é que limpam e cozinham, mesmo aquelas que agora trabalham. A mentalidade demora sempre muito mais tempo a mudar do que a realidade. Tem uma certa piada. |