Hoje consegui pela primeira vez acalmar-me o suficiente para passar um dia sem grande ansiedade. De manhã é sempre mau porque já acordo a sentir-me mal, graças aos sonhos que tenho todas as noites, mas depois consegui ultrapassar isso e fazer algumas das coisas que gosto sem estar constantemente a preocupaer-me com o que pode vir a acontecer.
É claro que de vez em quando tinha de me levantar e verificar se não havia nada de importante no email, mas de resto consegui vencer o monstro.
A meio da tarde sentei-me na sala a fazer colares de missangas e a rever a primeira season da série The OC. Normalmente não acho piada nenhuma a telenovelas, mas por qualquer razão fiquei com vontade de ver esta série. Mais telenovela que isto é impossível - temos montanhas de triangulos amorosos, overdose, uma teenager grávida que leva porrada do noivo, uma filha ilegítima, e a lista continua. Ainda não vi ninguém em coma mas vão lá chegar quando não se lembrarem de mais nada, que é o que acontece em todas as séries - até no Angel, que de resto tinha uma storyline menos comum.
Com isto tudo e a previsibilidade destas histórias de treta seria de imaginar que não tivesse um pingo de interesse, mas estranhamente também tem alguns pontos positivos. Tem algum sentido de humor a contrabalançar o excesso de melodrama e tem bons actores a interpretar os personagens adultos, especialmente o Peter Gallager, que ajuda a fugir de uma série completamente centrada nos dramas adolescentes.
Para além disso a piscina é fabulosa e acho gosto de ver a série pelo cenário :)
Mas é basicamente um daqueles 'guilty pleasures' que não se gosta de admitir. Sabe-se que é mau, ou pelo menos não é muito bom, mas não se resiste.
Aliás, tive o mesmo dilema quando comecei a ver a Buffy. É difícil de explicar a algumas pessoas qual é a piada da série. Especialmente se não tiverem um grande sentido de humor.
Na verdade estava com imenso medo de admitir ao meu próprio marido que andava a ver esta série. Pensei que iria descer na sua consideração. É um bom exemplo do nível de paranoia a que consigo chegar, mas é verdade que muitas vezes julgamos as pessoas com base nos seus gostos e interesses.
O meu pai passa a vida a dizer com grande orgulho que eu fui educada como um rapaz. O que isso quer dizer na cabeça dele é que não existiu distinção de educação entre mim e o meu irmão e que fizeram o esforço de tentar ensinar-me a pensar por mim. E até uma certa idade penso que isso foi verdade com uma excepção: esse poderia ser o plano do meu pai mas a minha mãe gostava da ideia de ter uma menina e insistia em vestir-me de saias e folhinhos, o que eu detestava.
O resultado das mixed messages foi que só a partir dos 17 anos, quando comecei a desenvolver melhor a minha independência e a analizar a minha personalidade - no fundo a idade em que a pessoa deixa de estar em formação e se começa a aperceber de quem é - é que comecei a ter noção do que gosto e não gosto. Se o gosto por policiais sempre esteve lá, nesta altura descobri a Jane Austen e o gosto por comédias românticas - muito mais 'menina' e por isso algo com que nunca teria contacto em casa. Aliás, a primeira e única vez que li um romance para adolescentes, quando tinha uns 13 anos, fui gozada por toda a família, pelo que desisti muito rapidamente.
Foi particularmente humilhante porque nem comprei o livro pela história mas por uma razão muito mais estúpida e que na altura não seria capaz de admitir - gostei da cor do cabelo da menina cuja foto vinha na capa do livro. Considerando que passei anos a pintar o meu cabelo de todas as cores existentes no mercado à procura daquela que era 'eu', acho que diz muito.
Mas aquela atitude de ser observada e gozada pela minha família quando fazia algo que não encaixava no que era esperado de mim tornou-me bastante fechada, defensiva e reprimida e pelos vistos ainda não consegui livrar-me disso completamente. Tenho sempre medo de abrir a boca se não souber exactamente o que estou a dizer e não admito nada que possa causar críticas. Isto torna relacionamentos com outras pessoas muito complicado. |